15 de junho de 2009

Emergência sem sirenes

Helena Filipa Gonçalves Carvalho
Mariana Lameiras de Sousa


O socorro salta assim que a ele se recorre e logo se desencadeiam os mecanismos de prestação de cuidados em situações urgentes com vista ao salvamento de vidas. As sirenes que incessantemente se ouvem guiam uma vida após o desastre. O tempo urge e, de facto, é o maior inimigo dos serviços de emergência médica que lutam para minorar as consequências de acidentes ou doenças súbitas. Porém, é também antes da emergência que se trabalha em prol da saúde dos portugueses: a prevenção é, mutatis mutandis, urgente e manifesta-se de vários modos e feitios. Até nas fervorosas noites de festas académicas…



O mês mais esperado pelos estudantes universitários chegou chuvoso. Maio é sinónimo de Festas Académicas e de Queima das Fitas. É sinónimo de música para todos os gostos, mas também de todos os actos desmedidos que lhe estão associados: álcool, drogas e comportamentos de risco. Os excessos são o centro de preocupações das Associações Académicas, que fomentam inúmeras campanhas interventivas nos locais festivos e seguem de perto as situações de emergência e a prestação de serviços pré-hospitalares.
A quarta noite de festa na Queima das Fitas do Porto, no dia 5 de Maio, acolheu, de acordo com João Costa, membro da organização, 100 mil pessoas. Entre a multidão, há quem considere que um serviço de emergência médica no Queimódromo “é extremamente necessário”. Aliás, uma noite neste espaço à beira-mar, em Matosinhos, é suficiente para testemunhar o vai-e-vem de ambulâncias que entra e sai deste espaço festivo, em cujo palco se impõe a presença quase mítica de Quim Barreiros.
Mas nem só de situações de emergência são compostas as Monumentais Festas Académicas, tal como são designadas oficialmente. Há também campanhas de prevenção: entre testes de alcoolemia e distribuição de preservativos estão algumas das iniciativas que os responsáveis por estas festas levam a cabo.

O 112 do Enterro da Gata ‘09

Em Braga, a edição 2009 do Enterro da Gata não desaponta os estudantes com os concertos míticos de Quim Barreiros e as mais diversificadas barraquinhas de curso. Também já não é surpresa a transferência do local do recinto para o estádio AXA, pois é desde o ano anterior que o Enterro da Gata já não decorre no descampado nas imediações da Universidade do Minho. Logo no primeiro dia se podem já testemunhar alguns abusos... Entre os variados bares que serpenteiam pelos corredores de cimento, há tendas de prevenção para os poli-consumos de substâncias e actuação em caso de urgência. Debaixo da porta nº 3 do estádio estão as instalações do projecto “Gata na Saúde” . Esta iniciativa, desenvolvida pela Associação de Estudantes da UM, decorre há vários anos e conta com a participação de alunos de Medicina e Enfermagem.
Num mini-inquérito realizado às voluntárias desta actividade, as opiniões divergem quanto às aprendizagens proporcionadas por esta experiência. Apesar de concordarem que vivem uma perspectiva diferente do que é o Enterro da Gata, as voluntárias do curso de Medicina não julgam tratar-se de uma mais-valia para os seus conhecimentos teóricos. Para Luísa, aluna do 4º ano de Medicina, a motivação é “não levar ninguém ao hospital” e absorver a “abordagem social” que o contacto com os estudantes proporciona e que posteriormente poderá levar para o dia-a-dia do hospital. Os alunos de Enfermagem também estão representados neste serviço de prestação de cuidados e encontram exemplo no presidente da Assembleia da Mesa da Associação de Estudantes dos alunos de Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem Calouste Gulbenkian. Carlos Rego Gonçalves frequenta o 4º ano do curso e também participou este ano no projecto que lhe tomou “bastante” do seu tempo. A par do estágio e dos horários que tem de conciliar, Carlos faz um balanço da iniciativa nesta edição e conta como trabalham na tenda da “Gata na Saúde”. Numa entrevista aprofundada, fala ainda do trabalho efectuado no recinto após se ter verificado que a pílula do dia seguinte esgota, nas farmácias da cidade de Braga, a meio desta semana de folia. Entre os voluntários de casaco amarelo que os colaboradores da “Gata na Saúde” exibem orgulhosamente, encontram-se ainda casacos vermelhos. Num trabalho coordenado, os voluntários da “Gata na Saúde” conjugam esforços com os giros formados por esta equipa vermelha, que tem assento na tenda “Mais saúde, menos riscos”. Este é um “projecto-piloto” nas festas minhotas, tal como refere Manuela Oliveira, uma das responsáveis da iniciativa e coordenadora da prevenção do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT - centro de respostas integradas de Braga). A par desta instituição, estão também envolvidos no evento a Cruz Vermelha Juventude e o Governo Civil de Braga. Numa entrevista conjunta com representantes do IDT e da Cruz Vermelha, Manuela Oliveira e David Rodrigues falam das finalidades do projecto, que se prende essencialmente com a prevenção e sensibilização para a “redução de riscos em contexto académico”. Afirmam, porém, que não pretendem “repreender os actos de ninguém presente no espaço festivo”. Uma vez que os “poli-consumos, com maior incidência no álcool”, são uma das principais preocupações deste projecto integrado, a tenda que exibe, bem visível, as letras vermelhas “Mais saúde, menos riscos” realiza testes de alcoolemia entre as 23h e as 6h. Uma reportagem no local ajuda a retratar melhor como é passar uma noite ao lado dos agentes da PSP que pacientemente recebem os festeiros para “bufar ao balão”.


A emergência fora do palco estudantil

Enquanto uns fazem ensaios na emergência médica e se embrenham nos meandros da prevenção, Daniela Silva faz um balanço positivo do seu trabalho nos Bombeiros Voluntários de Vila Verde e da sua própria experiência na “Gata na Saúde”. Segundo recorda em entrevista, a experiência de colaboradora nesta iniciativa quando frequentava o 4º ano da Licenciatura em Enfermagem na UM foi “muito boa” e “extremamente gratificante”. Revela ainda por que deixou o trabalho a tempo inteiro nos Bombeiros e prova que não se esqueceu no que consiste uma emergência. Dos equipamentos que mantêm os socorridos vivos também se lembra, mostrando todos os apetrechos que estão devidamente organizados no interior da mais recente ambulância dos bombeiros vila-verdenses, onde encontrou o complemento para a sua formação: a emergência pré-hospitalar.
De emergência pré-hospitalar se ocupa incessantemente o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), que actualmente está organizado em quatro CODU’s (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) distribuídos pelo país. Os profissionais deste serviço são imprescindíveis na diferença entre a vida e a morte: são médicos e enfermeiros que trabalham na prestação de cuidados em situações de acidente de acordo com uma referência e regulamento comuns, desde a triagem das chamadas de emergência ao momento do socorro. A Estrela da Vida, símbolo de todos conhecido, também surge como elemento de união, resumindo, sob a forma de símbolos e imagens, as seis fases de intervenção do INEM e estabelecendo normas para a sua utilização.



Sem corpo nem rosto, a emergência invade todos os espaços. Não importa o local ou a hora, os profissionais de saúde e os aprendizes continuam de mãos dadas e com as mesmas preocupações. Urge prestar cuidados médicos de emergência e socorrer rápida e eficazmente as vítimas em casos de acidente ou doença mas também importa combinar esforços para a prevenção. Porque a prevenção é antes do desastre. Porque a prevenção não precisa de ouvir sirenes.
Portanto, o melhor conselho continua a ser: pare, escute e olhe!